Eu, orgulhoso?
Carlos Pereira
Paulo
de Tarso, em uma de suas epístolas ao povo de Corinto, expressa que atualmente
nos vemos como por um espelho, parcialmente, mas que haveríamos de nos conhecer
como verdadeiramente somos. Fazia alusão, certamente, ao nosso
autodescobrimento como seres divinos e, como tais, seres espirituais e
imortais. Neste instante, em que nos defrontaremos com a nossa verdadeira
realidade, haveremos de nos identificarmos sem o véu da ilusão que as
aparências do mundo físico proporciona aos sentidos e suas conseqüências
naturais. Esta descoberta facilita o não desenvolvimento de sentimentos
egoísticos e permite nos enxergamos sem os adereços personalísticos que maioria
de nós cria e cultiva, isto é, sem a supervalorização do eu.
Este
império do eu se reflete na maioria dos comportamentos de orgulho que se
caracteriza por uma paixão crônica por si mesmo. Este "amor" próprio
se revela, porém, em muitas faces. O melindre é o orgulho na mágoa. A pretensão
é o orgulho nas aspirações. A presunção é o orgulho no saber. O preconceito é o
orgulho nas concepções. A indiferença é o orgulho na sensibilidade. O desprezo
é o orgulho no entendimento. A vaidade é o orgulho do que se imagina ser. A
inveja é o orgulho perante as vitórias alheias. A falsa modéstia é o orgulho da
"humildade artificial". A prepotência é o orgulho de poder. A
dissimulação é o orgulho nas aparências. Analisando nesta amplitude conceitual
é muito difícil não constatar o quão orgulhosos somos. Ainda assim, muitas pessoas
não conseguem realizar este autodiagnóstico, afirmando "orgulhoso
eu?".
Dois
pesquisadores do comportamento humano, Joseph Luft e Harry Ingham, lançaram, a
mais de quarenta anos, um modelo de compreensão da percepção das atitudes
humanas que ficou conhecido como a Janela de Johari e que pode facilitar na
identificação do orgulho humano. Trata-se de uma interseção das percepções
daquilo que é conhecido ou não pelos outros com aquilo que é conhecido ou não
pela própria pessoa. Estas interseções provocam o aparecimento de quatro áreas
de conhecimento/percepção do indivíduo: (1) O eu aberto, que representa o nosso
comportamento manifesto, conhecido por nós e pelos outros; (2) o eu cego, que
representa nosso comportamento que é facilmente percebido pelos outros, mas do qual
não temos consciência; (3) o eu secreto, que abrange as coisas que conhecemos
sobre nós, mas escondemos dos outros, variando desde aspectos insignificantes
até os mais importantes e (4) o eu desconhecido, que se refere às coisas que
desconhecemos sobre nós, as quais os outros também não têm acesso, como, por
exemplo, potencialidades escondidas e traços de personalidade ainda
inconscientes. O orgulho pode estar localizado em qualquer uma destas áreas,
mas comumente pode ser encontrado no eu cego, onde os outros percebem, mas não
conseguimos enxergar.
Há
diversos ângulos de estudo do orgulho, uma vez que sua manifestação é variada.
O orgulhoso, por exemplo, é alguém que se compara o tempo inteiro aos outros.
Compara-se para elevar-se sobre os demais. Por conseqüência, possui uma
excessiva preocupação com a opinião do outro sobre si que se transforma numa
espécie de neurose. Está sempre diminuindo o valor dos esforços alheios e,
desta forma, é alguém que atrai antipatia e indiferença. O orgulhoso, achando-se
"o rei da cocada preta", valoriza o que não é, mas desejaria ser, o
que o leva a pensar e a sentir que tudo que faz ou tem é melhor do que o do
outro. Aí é que ele se aprisiona nas teias da ilusão, pois cria seu mundinho à
parte e dá a ele vida intensa.
O
personalismo, que talvez seja a forma mais concreta de identificação do
orgulho, pode ser encontrado em comportamentos como a irredutibilidade velada
ou clara; vaidade intelectual, dificuldade de conviver pacificamente com a
diversidade humana; manipulação interpretativa de conceitos; autoritarismo nas
decisões; boicote na cooperação a projetos que partam de outras cabeças;
agastamento ante as cobranças e correções; sistemática competição para produzir
além dos outros e da capacidade pessoal; coleção de animosidades; superlativa
fixação dos valores que possui; pretensões de destaque; vício de ser elogiado e
apego às próprias obras, até porque "Narciso acha feio o que não é
espelho". O personalista é alguém que não sabe dialogar, não sabe dividir,
não sabe trocar, não sabe ouvir. Eis o grande desafio a ser vencido pelo
orgulhoso.
A
antítese para vencer o orgulho é procurar ser humilde. Esta palavra sabiamente
expressa o sentido que se busca na superação do orgulho. A sua etimologia é a
mesma das palavras humano e húmus, por exemplo, e das expressões inglesas
análogas humble (humilde) e humility (humildade). A raiz latina hum significa
aquilo que vem da terra. Assim, humilhar originalmente quer dizer aquele que
numa luta colocava o outro no chão. Humildade, bem apropriado, é aquele que
mantém os pés no chão.
Ser
humilde é aquele que tem consciência do que é, nem mais nem menos. É aquele que
reconhece seus limites e suas qualidades. É aquele que está em sintonia com a
realidade, com a verdade. É aquele que está apto a ouvir o outro, viver em
harmonia com o outro.
Algumas
posturas de humildade podem e devem ser exercitadas como emitir opiniões sem
fixar-se obstinadamente na idéia de serem as melhores; aprender a discernir os
limites entre convicção e irredutibilidade nos pontos de vista; ouvir a
discordância alheia acerca de nossas ações sem sentimento de perda ou melindre;
cultivar abnegação na apresentação dos projetos nascidos no esforço pessoal,
expondo-os para análise grupal; evitar difundir excessivamente o que já fez;
disciplinar e enobrecer o hábito de fazer comparações; acreditar que a
colaboração pessoal sempre poderá ser aperfeiçoada; pedir desculpas quando
errar; ter metas sem agigantá-las na sua importância frente às incertezas do
futuro; admitir para si sentimentos de mágoa e inveja; ser simples; ter como
única expectativa nas participações individuais o desejo de aprender e ser útil
e delegar tarefas, mesmo que acredite que outro não dará conta de fazê-la tão
bem quanto você.
O
mundo materialista e capitalista em que vivemos, sem dúvida, é um grande
alimentador do orgulho pessoal, o que torna mais difícil superá-lo, pois somos
estimulados constantemente pelos holofotes da vaidade, pela luta competitiva do
dia-a-dia e pela valorização das aparências. Jesus, a maior celebridade de
todos os tempos, era, acima de tudo, humilde. Sendo quem era poderia
reivindicar outro tratamento, querer ser "paparicado" ou exigir que
todos o reverenciassem pela sua posição superior. Em vez disso, deu lições
contínuas de humildade, tanto que ensinou que "o Reino de Deus não vem com
a aparência exterior", que "aquele que se exaltar seria
humilhado" e que "os últimos seriam os primeiros".
Texto inspirado no
livro "Mereça
Ser Feliz - Superando as Ilusões do Orgulho",
de Ermance Dufaux, psicografado por Wanderley Soares de Oliveira.
Extraído de http://www.panoramaespirita.com.br
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